O Espião que Sabia Demais

Tinker Tailor Soldier Spy (Inglaterra, 2012). Cotação: ***1/2
Suspense, 122 min.

Há alguns anos, “O Jardineiro Fiel” (2005), de Fernando Meirelles, havia dado uma lição de como uma obra de John Le Carré deve ser levada ao cinema. O filme era um thriller muito intrigante, que trazia o lado sujo da indústria farmacêutica, e não à toa é considerado a melhor adaptação de um livro dele. Entretanto, foi com romances de espionagem passados na Guerra Fria que Le Carré se fez notar. Um conhecimento que adquiriu enquanto diplomata no início dos anos 60. E o que é a sua especialidade, é trazido mais uma vez em “O Espião que Sabia Demais”, saído da publicação homônima de 1974.

Logo nos primeiros minutos, ficamos sabendo do que se trata: há um agente duplo no Circus, alto comando do serviço secreto britânico (o MI-6). E a missão de George Smiley, interpretado por Gary Oldman, é justamente descobrir quem é que envia as informações sigilosas para os soviéticos. Essa desconfiança partiu de Control (John Hurt), chefe dessa divisão de elite do MI-6 e que não tem condições de continuar a investigação.

Ex-membro do Circus, Smiley foi forçado a se aposentar há pouco depois de uma operação em Budapeste, na qual não estava envolvido, dar errado e tem de sair de seu descanso para averiguar essa suspeita de que uma das quatro pessoas com quem trabalhou na alta cúpula é o espião. Para isso, solicita a ajuda de Peter (Benedict Cumberbatch), que ainda continua a trabalhar no serviço secreto. Será preciso muita paciência para desvendar o caso, tal qual a analogia que se faz com as peças de um tabuleiro de xadrez.

Apresentado em uma narrativa não-linear, causa confusão na cabeça do espectador pelas inúmeras informações que surgem a cada minuto. Apesar de ritmo lento, o mais que denso roteiro exige muita concentração para que se captem as nuances. O diretor sueco Tomas Alfredson (aquele do terror vampiresco “Deixe Ela Entrar”) elaborou o filme contando bastante com a inteligência do público. De qualquer forma, é bem provável que uma única visualização não seja suficiente, o que configura um grande problema.

A história resulta datada e a sensação tida é de que os roteiristas despejaram além do que puderam dela (e só corrobora a tese de que não é fácil adaptar John Le Carré). Há mais de três décadas, precisamente em 1979, o mesmo texto originou uma minissérie na BBC com Alec Guinness no papel principal e fazia todo sentido naquele momento.

A seu favor, pode-se destacar o elenco de primeira classe (poucas vezes nos últimos anos se viu atuações tão pontuais). Encabeçado por Gary Oldman, que tem um desempenho extremamente analítico, calculista, diferente do que nos habituamos a ver (pouco lembrado em premiações, ele desta vez pode receber sua primeira indicação ao Oscar), também traz figuras conhecidas do grande público como o já citado John Hurt, o recém oscarizado Colin Firth, Mark Strong, Toby Jones e Tom Hardy.

Ao contrário do que se possa pensar, este é um filme sério e quase não tem relação com os tantos longas que se fazem nessa linha, tentando dar uma abordagem mais realista e com bem menos glamour (é até irônico dividir espaço com “Missão Impossível 4”, ainda em cartaz no Brasil). Consegue fazer uma boa reconstrução da época, auxiliada por uma discreta fotografia que alterna entre o marrom e tons pastel.

Esquecido no Globo de Ouro, “O Espião que Sabia Demais” foi nomeado a 11 categorias do BAFTA, a maior premiação do cinema inglês. Conduzido com frieza, é um genuíno suspense, em que se acompanha passo a passo o seu delinear. Não é para qualquer um.